Amplos setores da universidade, políticos de oposição, economistas e cientistas políticos independentes, além de algumas vozes corajosas e isoladas dentro da Grande Mídia, são unânimes em afirmar: ao contrário do que afirmam grandes empresários e banqueiros reunidos em entidades como Fiesp e Fenaban, a reforma trabalhista em debate no Congresso Nacional é um enorme retrocesso para a maioria dos trabalhadores. Hoje é fácil de ver que apesar da evidente e completa corrupção de Temer e de seus ministros, o alto empresariado e os banqueiros continuam apoiando o governo: em troca, Temer e sua tropa de choque no Congresso têm que aprovar de qualquer jeito o desmonte da CLT e da Previdência Social, além de concluírem o processo de Terceirização, já aprovado.
“Michel Temer conta com as duas ‘reformas’ para receber do poder empresarial o apoio que o mantenha no Planalto até o fim de 2018. Até agora, nenhuma das gravações e acusações abalou esse apoio”, afirma o colunista da Folha de S. Paulo, Jânio de Freitas. Um dos mais experientes e íntegros jornalistas em atividade, Freitas aponta o dedo para o jogo de “interésses” escusos que está sendo travado em Brasília: “Os seus parlamentares, ou se referem a dificuldades na bancada governista, ou tapeiam com uma atividade inócua. Esticar no tempo é esticar o apoio do poder privado”, revela ele.
A fala dos patrões
Dentro deste jogo, nos últimos dias, a imprensa tem concedido espaços nobres para a publicação de artigos assinados por banqueiros como Roberto Setúbal (Itaú Unibanco) e Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), assim como para um “estudo” encomendado pelo Santander e devidamente divulgado pela Globo, em que eles defendem as reformas como “urgentes” e necessárias para “modernizar” a velha CLT.
O banqueiro Setúbal, em artigo na Folha de S. Paulo do dia 02/07, intitulado A importância da reforma trabalhista, sintetiza sua proposta no seguinte trecho: “Enfim, a reforma trabalhista é um passo importante para retomarmos o dinamismo que já tivemos em nossa economia, especialmente no setor industrial. Ela deve abrir espaço para o aumento de produtividade das empresas, o que acarretará em aumento na oferta e formalização de empregos, além de incremento na renda do trabalhador”.
Na mesma toada, demonstrando uma ação articulada do grande capital em defesa da reforma, o tal estudo do Santander chega a afirmar – acredite quem quiser – que a reforma trabalhista poderia gerar 2,3 milhões de empregos no país em pouco mais de um ano. Mas o estudo não chega a falar na qualidade dos empregos que, em tese, poderiam ser criados.
Tudo está baseado na chamada flexibilização de regras e consequente redução de custos para o empregador, “que voltaria a contratar”. Mas até os autores do estudo apresentado pelo banco espanhol admitem que o processo, se for aprovado, “causará perdas para uma parcela dos trabalhadores, principalmente aqueles com menor qualificação”. Por isso, destacam a “necessidade de políticas de proteção social” que amenizem esses efeitos.
Ora, todos sabem que “políticas de proteção social” é tudo o que o governo Temer não está fazendo e, ao contrário, vem cada vez reduzindo mais.
Realidade muito diferente
Para além da fala adocicada do patronato, a realidade é muito diferente – a desregulaçação trabalhista atacará de forma extremamente violenta toda a sociedade brasileira. A CLT, por exemplo – que foi instituída nos anos 1940, concedendo direitos básicos aos trabalhadores, como férias e carteira de trabalho, e que arrancou milhões de brasileiros e brasileiras de uma espécie de semiescravidão – já foi atualizada inúmeras vezes ao longo das últimas décadas.
SinbdBancários
“Se for aprovada no Congresso, esta é uma pauta que só vai fortalecer a concentração de renda no país e precarizar a vida de todos os trabalhadores, incluindo aí os bancários, que poderão não mais formar uma categoria profissional, perderão a identidade de classe e os direitos conquistados em negociação coletiva”, destaca o presidente do SindBancários, Everton Gimenis.
Especialista desmonta discurso patronal
O canto de sereia do grande capital é analisado pela economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia da Unicamp (Cesit), a professora Marilane Teixeira. “Não há nenhuma possibilidade desta reforma trabalhista diminuir o desemprego. O que vai é promover uma substituição de trabalhadores efeitivos por terceirizados, por contratos temporários, intermitentes e parciais, o que já começa a acontecer. Nenhum aspecto da reforma trabalhista sugere estímulo à criação de novos postos de trabalho”, afirma a especialista.
Na entrevista abaixo, ela informa que estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2015 e 2016, que analisaram 71 países, em períodos de seis a dez anos, mostram que não há relação entre “rigidez” na legislação com queda do desemprego. “Ao contrário, nos períodos onde houve flexibilização o desemprego também aumentou. E onde a regulação do trabalho se intensificou, houve melhoras no nível da empregabilidade”, contrapõe a professora e pesquisadora.
O custo da contratação pode ser um argumento para não geração de emprego?
Marilane – Claro que não! No caso do Brasil, a dispensa e contratação é um mecanismo usado amplamente pelas empresas. O que a reforma Trabalhista propicia é uma dispensa a custos menores.
Em 2016, no país, o mercado de trabalho movimentou 30 milhões de pessoas. Foram demitidas 16,5 milhões e admitidas 15 milhões. Por que a rotatividade é tão alta? Porque usam o mecanismo da dispensa imotivada para regular salários. Demitem e contratam com rendimento que pode oscilar de 20% a 35% menores do novo funcionário em relação ao que foi demitido.
Se alegam que o custo com demissão é elevado, porque dispensam nesse volume? Não é esse o problema. E manter um certo grau de proteção ao trabalhador demitido por meio do acesso ao FGTS e ao seguro-desemprego é uma garantia mínima para quem provavelmente vai enfrentar logo período de desemprego.
O rendimento médio de um trabalhador hoje no Brasil é menor do que em 2012, imagina com a inflação acumulada nesses quase cinco anos. Só há perspectiva de empobrecimento e de ampliação das desigualdades entre trabalhadores, algo que só beneficia as empresas.
Mas o que dizer para quem defende que o importante é gerar emprego, independente da qualidade do emprego?
Marilane – O problema é o modelo que vai gerar. Pegue o trabalho intermitente, um dos pontos da reforma. O trabalhador pode ser convocado uma vez na semana ou nenhuma para trabalhar oito, seis, quatro horas ou menos e não haverá nenhuma segurança sobre rendimento médio. Não terá nem ideia de quanto vai ter em termos de salário. Não há nenhuma previsibilidade em relação à remuneração nesse período. Você tem gasto com moradia, transporte, precisa se alimentar, mas não tem previsão de quanto vai receber, porque pode passar semanas sem ser convocado pela empresa.
O contrato parcial também é uma forma de ajustar para baixo os salários, porque vai receber proporcionalmente em relação a horas trabalhadas. O mesmo caso o contrato temporário, que dura um período e em caso de dispensa o trabalhador não terá acesso ao Fundo de Garantia, ao aviso prévio e ao seguro-desemprego. Se a mulher engravidar nesse período, ao final do contrato não terá qualquer estabilidade e dificilmente vai encontrar outro trabalho imediatamente.
Um emprego tão precário e que gera um nível de insegurança tão grande provoca adoecimento e entrega um serviço ruim. Porque cada dia o trabalhador estará em um lugar prestando serviço e não será especializado em nada. Num dia prestará serviço num hospital, no outro na escola, no outro em um restaurante. Quem irá se responsabilizar pelo acidente de trabalho no local ou no transporte até o local? O empregador não terá compromisso nenhum.
Não vai ter uma categoria profissional, não será bancário, comercial ou industriário. Vai ser prestador de serviço. Acaba com identidade de classe, com a categoria, e com a relação com o sindicato. Não vai ter a quem recorrer em caso de ilegalidade.
As universidades e escolas privadas já estão substituindo agentes administrativos por terceirizados. Os agentes têm piso salarial mais elevado e vários direitos. Eles estão sendo demitidos e recontratados como prestadores de serviço com piso salarial muito inferior e uma convenção coletiva muito pior. No setor aeroviário, estão introduzindo no check-in o contrato parcial e lá concentram no horário das 6h às 9h e das 17h às 20h. O trabalhador só recebe o que trabalhou nesse período. No intervalo não tem condições de ter outro trabalho, tem de ficar disponível para empresa e só recebe por seis horas. E quando o aeroporto está longe do centro, sequer consegue se deslocar para casa.
A fragilização dos sindicatos é outro ponto crítico. Como isso afeta o trabalhador?
Marilane – O projeto tem o objetivo de pulverizar a ação sindical e descentralizar os processos de negociação coletiva com a criação do representante no local de trabalho. Embora tenham dito que esse representante não terá poder de negociação, sabemos que poderá chegar a esse fim, porque a reforma Trabalhista estimula as negociações individuais em relação a vários aspectos das condições de trabalho.
Retira também o papel do sindicato de acompanhante nas homologações, momento em que há justamente o maior volume de fraudes trabalhistas pelas empresas. E como o projeto dificulta muito o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalhado, ele ficará com poucos instrumentos para defender seus direitos. Além de o trabalhador ser obrigado a assinar um documento, no final do ano, concordando que recebeu seus direitos, sem acompanhamento do sindicato na quitação.
Isso tudo lembrando que o projeto prevê que a negociação possa prevalecer sobre a legislação, mesmo que seja prejudicial ao trabalhador. Diante da pressão do empregador, em épocas de crise, claro que o trabalhador cederá à pressão e aceitará, inclusive, negociar ampliação da jornada e redução de salário.