Pior do que extinguir a SPM/RS é atacar a conquista! (por Maria do Carmo Bittencourt)

Alguns dias atrás parei pra ler um artigo na Zero Hora, não leio este veiculo porque além de ter colunistas machistas, tem uma linha editorial de direita e trabalha para manter o status quo da elite patriarcal. Dito isso, digo que fui ler em função da provocação, publicação da companheira e amiga Ariane Leitão, uma pequena introdução ao post em sua timeline do artigo do atual Secretário de Justiça e Direitos Humanos do RS, Cesar Faccioli.
Sem rodeios ela declara: “Pior do que extinguir a SPM/RS é atacar a conquista! Aí segue o texto do secretário que irá “comandar” as políticas para as gaúchas. Ele utiliza os seguintes termos sobre nossos direitos: ‘Pretendemos o fim da filantropia clientelista, da política do coitadismo e da vitimização que fragiliza e condena a mulher à dependência permanente da ajuda estatal.’
Revolta é pouco…”
segue o link – http://naofo.de/2un0
Apesar de ser Carnaval, vi vários posts no facebook e no twitter com o mesmo sentimento e outros que acharam o secretário coerente, afinal ele fala de fazer politia para “fomentar a autonomia emancipatória da mulher”, fala de manter o trabalho em Rede articulando com o restante do Estado e com a sociedade civil e de qualificar a gestão pública. Utilizando um discurso aparentemente alinhado com as politicas públicas para as mulheres construídas no país nos últimos 12 anos e aqui no RS pelo governo anterior, numa tentativa de afirmar “manteremos o que está bom e vamos avançar”.
Que fique bem claro, espero que vocês leiam o artigo, pois a questão fundamental não está nas afirmações acima, até achei elas legais.
O argumento fundamental, que foi o que provocou revolta, foi o ataque realizado ao que tem sido o cerne, o coração das politicas públicas para as mulheres, a Politica de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher. E aqui sei que não estou sozinha e pergunto a todas as profissionais e militantes que, como eu, estudam e trabalham com esta questão complexa:
Ele disse mesmo que muito do que existe e fazemos é “filantropia clientelista”? Que se fez “politica do coitadismo”, da vitimização e da fragilização com as mulheres?
Como assim?
Caso vocês não lembrem, só quem faz politica pública pública é o Estado, no caso da politica da mulher, articulado com a sociedade civil e de forma transversal. Notem, a sociedade civil é parceira, mas não executa sozinha nada que possa ser classificado como politica pública, então as afirmações acima atacam diretamente as politicas implementadas pela SPM/RS e pela SPM/PR, claramente alinhadas em seus discursos e práticas.
Como a politica da mulher, principalmente na área de enfrentamento a violência, tem grandes atravessamentos com a Saúde e a Assistência Social, talvez o Secretário esteja ainda parado lá no século XX, criticando a politica pública antes do SUS e do SUAS, que muito trabalham contra os resquícios do assistencialismo e o clientelismo em toda a área social, basta ver as politicas marcadas pela transversalidade de gênero como o Bolsa Familia, PRONATEC e Parto Natural.
Politica da vitimização? Ou, talvez por questão de pontuação na frase, o Senhor quiz dizer que as mulheres se vitimizam, se fragilizam?
Espero, sinceramente, que o Sr. Secretário escute as profissionais qualificadas, funcionárias públicas da área da Assistencia Social e da Psicologia que trabalham no Centro Estadual de Referencia da Mulher . Estas profissionais podem lhe explicar o que está em todos os textos e documentos que norteiam a politica; não consideramos as mulheres “vitimas” de violência, o conceito central em todas as ações é que as mulheres estão em “situação de violência social e doméstica”. Não é semântica, é diretriz conceitual e politica, considera a violência como um ciclo que precisa ser rompido, considera o machismo estrutural em nossa sociedade que precisa ser enfrentado, considera a individualidade de cada história de vida que forma as mulheres no medo da violência, no medo das piores classificações sociais, na negação a direitos fundamentais como de usar a roupa que quer, estudar e trabalhar no que quer ganhando o mesmo que os homens. Considera que o Estado revitimiza as mulheres quando não as protege de maridos, companheiros, chefes, colegas, pais, irmãos e filhos agressores.
Talvez a vitimização estivesse acontecendo dentro da politica de atuação em rede, a Rede Lilás, onde todas as secretarias, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública , o Legislativo ONGs com projetos em execução na área sobre a Coordenação da SPM/RS e do Centro Estadual de Referencia da Mulher com reuniões semanais durante quase todo o 2014, para discutir as Politicas Públicas para as Mulheres, casos de violência contra as mulheres, os projetos levados pelas ONGs e Governo. A Rede encerrou o ano com um protocolo de fluxos de atendimento assinado e publicado, com vários projetos bem sucedidos e o reconhecimento público por parte de seus integrantes e do movimento de mulheres do RS.
Afirmo que passei do ponto da indignação, quando a li que a principal preocupação do Secretário nas Politicas para as Mulheres são os homens? A inovação do governo Sartori vai ser tratar os agressores pela Diretoria da Mulher? Acho que tem uma confusão básica aqui, muito comum em alguns operadores da área do Direito e que interpretam a ei Maria da Penha como uma Lei somente de violência doméstica, ou pior tratam violência contra as mulheres como sinônimo de violência doméstica.
Peço que não sejamos reducionistas, a violência contra a mulher pode ter seus maiores indices no recorte da violência doméstica, mas não se resume ao lar e ao casais. Não é a toa que a Lei trata de 5 tipos de violência e que uma das pautas mais atuais no movimento feminista são a violência psicológica e moral, por exemplo, o assedio virtual, trotes violentos e a desqualificação pública de alunas e militantes feministas que muitas vimos em denuncias recentes na UFRGS e na USP.
Companheiras feministas, vamos redobrar a vigilancia, porque em vista deste artigo fiquei com medo de perdermos os poucos equipamentos exclusivos para atender as mulheres que temos, como as casa abrigo, afinal são assistencialistas; como os Centros de Referencia em Atendimento para as Mulheres, afinal as mulheres tem de deixar de ser vitimas e precisamos tratar os homens também; como a Casa da Mulher Brasileira em Porto Alegre, afinal nós, as mulheres, precisam deixar de ser dependentes do Estado e um equipamento deste porte vai ser considerado gasto excessivo.
O 2015 começou com luta e precisamos aprofundar nossos conhecimentos e práticas para que discursos vazios não nos seduzam.
.oOo.
Maria do Carmo Bittencourt é militante da Marcha Mundial das Mulheres

Fonte: Sul21
Crédito da foto: Brasil 247

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