O pequeno município que virou gigante

Uma cidade pode parecer pequena para os olhos de um clínico que nada entende de articulações, mas pode investigar minuciosamente e descobrir seus tumores a tempo de salvá-la

Mas ela pode ser gigante se o foco da mirada partir do macaco equilibrista e grande retratista poetado por Mário Quintana. Nas vistas do contabilista, na velocidade do ciclista e até mesmo nas pálpebras caídas da mocinha que vê a banda passar cantando coisas de horror. Em definitivo, o aceno de adeus de um marinheiro desconhecido zarpando do Guaíba para outros cais onde se canta coisas do amor. Nesta visão pervertida, Porto Alegre sempre será grande, como o impávido colosso e sua maior metáfora, um gigante pela própria natureza.

Na década de 1980, eu, paulistano, sonhava em conhecer o Brasil, sua gente, a cultura e o modo de vida de tantos e distante lugares, Assim, decidi sentar morada na capital gaúcha. Com este objetivo, desembarquei do jatão da Varig na segunda metade de 1982. Tinha na cabeça as imagens das manifestações do dia 23 de agosto de 1980. Uma foto ficou registrada em definitivo em minha mente: uma estudante segurava a bandeira brasileira bem no meio da Avenida João Pessoa. A foto não mostrava, mas de um lado estava a Faculdade de Engenharia. Do outro, a Casa dos Estudantes. Atrás da manifestante, soldados lançando bombas, a fumaceira cobria tudo, exceto a moça e sua bandeira.

A foto foi capa dos principais jornais do Brasil. Na legenda, o texto soprava solidariedade ao povo argentino e força da luta pelo fim da ditadura no Brasil. Naquele momento, os gaúchos de fé estavam repudiando a presença do ditador argentino Rafael Videla. “Nem Videla, nem Figueiredo!”, era a palavra de ordem reproduzida pela imprensa. A manifestação ficou conhecida como “a batalha da Praça Argentina”. A força do protesto daquele agosto de 1980, impediu a presença do sanguinário ditador argentino e a reinauguração da Praça Argentina, na Avenida João Pessoa, ficava a não mais que 50 metros do campus central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Vendo as fotos, engolindo as palavras escritas nos diários, eu ainda não sabia que um dia sentaria morada naqueles pagos. Tempos depois, os livros me revelaram que os manifestantes “cantavam as flores que despontavam na antessala da primavera sul-americana”.

Assim, decidir morar numa cidade grande que, aos poucos, e então de repente, tornou-se gigante. Sempre gostei de flores e de inventar cais…

Por Moah Sousa, jornalista e contador de histórias, paulista e cidadão do mundo, há anos atracou em Porto Alegre, que hoje, 24 de março de 2023, completou 251 anos de vida.

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