O caso Eduardo Vinícius Fosch dos Santos, filho de Banrisulense assassinado em 28 de abril de 2013, será denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
Na noite de 27 de abril de 2013, Eduardo Vinícius Fosch dos Santos participou de uma festa com outros cento e cinquenta adolescentes com bebida alcoólica liberada em residência do condomínio de luxo Jardim do Sol na zona sul de Porto Alegre (RS).
A festa já terminava quando Eduardo se afastou de seus amigos por alguns instantes e não foi mais visto, por volta das 6h. Eduardo seria encontrado seriamente ferido no pátio da residência vizinha apenas às 11h. O adolescente foi levado ao Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (RS), mas, depois de vários dias em coma, faleceu em 06 de maio de 2013.
O incidente foi imediatamente levado ao conhecimento das autoridades policiais, ainda no dia 28 de abril de 2013. Depois de ouvir a declaração de pessoas presentes na festa e fazer levantamento fotográfico do local, as autoridades chegaram à conclusão de que teria havido um acidente.
Eduardo teria caído do terreno da residência onde ocorria a festa, no terreno da residência onde foi encontrado, um desnível de seis metros, e essa seria a origem dos ferimentos que levaram a sua morte.
Entretanto, Jussara Regina Fösch e Júlio César Rodrigues dos Santos, funcionário do Banrisul, pais de Eduardo, não se convenceram da conclusão das autoridades policiais. Eduardo era surfista e skatista, tinha excelente equilíbrio. Também, seus amigos presentes na festa disseram que se encontrava lúcido na última vez que o viram.
Já que as autoridades policiais nunca requisitaram a formulação de laudo pericial pelo Instituto Geral de Perícias, o que seria um procedimento padrão para casos como esse, os pais de Eduardo decidiram contratar perito particular para analisar o local do incidente.
O perito Celso Menezes Danckwardt, especialista em levantamento de locais de morte, confirmou as suspeitas da família. Conforme Celso, evidências deixadas de lado pelas autoridades policiais indicam que Eduardo não teria sido vítima de acidente, mas de ataque violento com objeto contundente.
As lesões no dorso de sua mão indicam cortes ao desferir socos em situação de defesa; as lesões em sua cabeça e seu tórax indicam que foi vítima de golpe com objeto contundente; e os traumatismos graves na nuca, o padrão de sangue no chão e na parede ao seu redor, a ausência de lesões nos cotovelos e/ou nos tornozelos indicam que estava desacordado quando foi lançado sem reação do alto do desnível entre as duas residências.
De posse do laudo, o juízo responsável não autorizou o arquivamento do inquérito. Ordenou que retornasse às autoridades policiais para que dessem prosseguimento às investigações. Os pais de Eduardo também passaram a atuar no caso como assistentes de acusação, representados pelas advogadas Lesliey Gressler Gonsales e Jacqueline Custodio.
Ante os erros e a demora das autoridades policiais na condução das investigações, o Ministério Público decidiu instaurar procedimento de investigação próprio para colher declarações de testemunhas e levantar provas.
Em 17 de novembro de 2015, o Ministério Público apresentou denúncia criminal contra Isaías de Miranda, vigia, e Luis Fernando Souza de Souza, policial civil e consultor privado de segurança, ambos contratados pelo Condomínio Horizontal Jardim do Sol.
Conforme a denúncia ministerial, Isaías teria atacado Eduardo querendo ou, pelo menos, assumindo o risco de matá-lo por motivações racistas. Foi denunciado por homicídio triplamente qualificado.
Por sua vez, Luis Fernando teria deixado de adotar as medidas necessárias para a isolamento do local em que Eduardo foi encontrado, ao contrário, mandando um de seus subordinados limpá-lo, bem como teria ordenado que fossem apagados os vídeos das câmeras de vigilância do condomínio. Foi denunciado por fraude processual.
Desde então, foram realizadas audiências para a oitiva de testemunhas e realizadas diligências para a elucidação dos fatos. Entretanto, passados sete anos do, agora sabido, ataque violento contra Eduardo, não existe qualquer decisão judicial.
O processo criminal permanece meses sem qualquer andamento por absoluta inércia do sistema de justiça. Ainda não foi proferida a sentença de pronúncia, que reconhece a materialidade do delito e os indícios de autoria pelos acusados, primeiro passo para que os acusados sejam levados a julgamento pelo Tribunal do Júri em Porto Alegre (RS).
Na esfera judicial cível, o tratamento dado ao caso é ainda pior. Em 11 de agosto de 2014, os pais de Eduardo ajuizaram ação de reparação de danos contra José Antônio Jacovas e Simone Cristina Schimitz, proprietários da residência e pais de um dos adolescentes responsáveis pela organização da festa, e contra o Condomínio Horizontal Jardim do Sol.
Sustentaram a gravidade da situação, a realização de uma festa para mais de cento e cinquenta adolescentes com consumo liberado de bebidas alcóolicas sem a supervisão de outros adultos além dos seguranças contratados para a festa e dos vigias contratados pelo Condomínio.
Entretanto, passados sete anos do ataque violento a Eduardo, sequer foi realizada audiência para a oitiva de testemunhas. Esse processo também permanece meses sem qualquer andamento por absoluta inércia do sistema de justiça.
Em busca de justiça, os pais de Eduardo, decidiram denunciar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos tem competência para receber denúncias em relação a Estados que tenham violado direitos humanos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Os pais de Eduardo apresentarão o caso no dia 10 de dezembro de 2020, Dia Internacional dos Direitos Humanos, representados pelo advogado Marcelo Andrade de Azambuja. Com isso, esperam a condenação do Estado brasileiro pela violação do direito à vida e à integridade pessoal de seu filho, adolescente negro vítima de ataque racista, bem como pela violação de suas garantias judiciais pelas medidas insuficientes, inadequadas e ineficazes adotadas pelo Estado brasileiro para investigar, julgar e sancionar os responsáveis pela morte, bem como para reparar e ordenar a reparação dos danos sofridos.
Para o advogado Marcelo, a impunidade dos delitos cometidos contra pessoas negras no Brasil envia a mensagem de que esse tipo de violência é tolerado, o que favorece sua perpetuação e a aceitação social do fenômeno. A impunidade também favorece persistente desconfiança dessa e de outras populações vulneráveis no Estado brasileiro e no sistema de justiça.
Segundo a última edição do Mapa da Violência do IPEA, em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio eram afrodescendentes no Brasil. Isso significa que uma pessoa afrodescendente tem 2,7 vezes mais chances de ser assassinada no Brasil do que uma pessoa não-afrodescendente.
O Estado brasileiro precisa assumir sua responsabilidade em relação aos assassinatos de pessoas negras e parar de descartar incidentes como esse como “acidentes” ou “casos isolados”.
Fonte: Press release enviado ao Sindicato pela família de Eduardo