A PROBLEMÁTICA DA DESAPOSENTAÇÃO
Aline C. Portanova
DESAPOSENTAÇÃO ou DESAPOSENTADORIA (os dois estão corretos) é nome utilizado para requerer a cômputo do tempo de todo o período contributivo antes e depois de se aposentar.
O grande problema da desaposentação é a ausência de lei que regulamente a situação fática. Como veremos adiante, o STF, no dia 26 de outubro de 2016, teve a oportunidade de resolver a questão, mas preferiu se omitir.
Nesse dia, foram julgados os Recursos Extraordinários 381.367, sob relatoria do ministro Marco Aurélio; também foram julgados os recursos 661.256, com repercussão geral, e 827.833, ambos com relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Conforme levantamento da Advocacia Geral da União (AGU) tramitam em 2016 cerca de 182.138 ações judiciais sobre desaposentação. Estima, ainda, que cerca de 480 mil aposentados ainda estejam trabalhando. Os primeiros processos de desaposentação apareceram há cerca de 16 anos.
O PROBLEMA.
A lei permite que a pessoa se aposente e continue trabalhando.
O trabalhador que se aposenta e continua trabalhando tem obrigação legal de continuar contribuindo. Os bancários, especificamente, são empregados e, portanto, são contribuintes obrigatórios segundo a legislação previdenciária vigente.
Portanto, a desaposentação era e é a possibilidade do aposentado que continua trabalhando ver, de alguma forma, retribuído os valores que foi obrigado a verter para os cofres da Previdência Social.
Segundo a tese 503 do STF:“No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por hora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991”.
Até o momento, não foi publicado o acórdão (ou seja a decisão completa deste julgado). Estima-se que será publicado daqui 60 dias aproximadamente. Somente após a publicação do acórdão poderá ser questionada a validade do julgamento.
COMO FICAM AS PESSOAS QUE RECEBEM O NOVO BENEFÍCIO POR ORDEM JUDICIAL?
De acordo com a Corte, os questionamentos sobre as pessoas que estão hoje desaposentadas e recebendo o beneficio serão decididos a partir das ações que irão chegando. Ou seja, as questões serão tratadas individualmente. Estima-se que cerca de 10 mil pessoas estão nesta situação (IBDP).
Nesta situação, temos dois grupos. 1) Segurados que recebem o benefício da aposentadoria por ordem antecipatória, ou seja, por tutela provisória. 2) As pessoas que recebem benefício por tutela definitiva, ou seja, por sentença com trânsito em julgado.
No primeiro caso, da tutela provisória, como ainda não temos a sentença definitiva, o juiz que julgar o caso deverá se guiar pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e julgar pela inconstitucionalidade da desaposentação.
Para o segurado que recebe o benefício por ordem provisória, temos duas situações: a) provavelmente terá cancelado o seu benefício mais vantajoso e retornará a receber o benefício de aposentadoria anterior e menos vantajoso e b) o INSS vai pedir a devolução dos valores que pagou a mais. E, a partir desta situação, surgem mais duas: b.1) o juiz entender que estes valores foram pagos de forma legítima (porque pagos por ordem judicial) e tem caráter alimentar e então negar ao INSS a devolução dos valores. A outra situação, b.2) é no caso do entendimento de que estes valores devem ser devolvidos aos cofres públicos. Neste caso, a devolução deverá obedecer à regra geral do percentual de desconto do valor do benefício no patamar de 30% (trinta por cento).
O segurado que recebe o benefício por sentença transitada em julgado, ou seja, por tutela definitiva, o INSS deverá ajuizar ação rescisória para buscar esses valores.
PECÚLIO – como era antes.
Importante relembrar que, até o ano de 1994, existia um benefício previdenciário chamado pecúlio, o qual consistia na devolução, em cota única, das contribuições efetuadas para o INSS pelo cidadão que continuou trabalhando após ter se aposentado.
A lei que extinguiu o pecúlio em 1994 previa que o aposentado não precisava contribuir com a Previdência Social. No entanto, uma lei editada um ano depois, em 1995, voltou a exigir a contribuição dos trabalhadores aposentados, mas sem nenhum benefício financeiro de contrapartida.
Parece-nos que as milhares de ações de desaposentação que hoje estão no Poder Judiciário bem como todas os milhares de julgamentos entendendo pela procedência da ação de desaposentação têm origem nesta situação legislativa histórica.
A POSSIBILIDADE DE DESAPOSENTAÇÃO
Como não há lei que regule a desaposentação, o Poder Judiciário foi provocado por milhares de pessoas que buscam amparo para ver de alguma forma retribuída de valores que são obrigadas a contribuir mensalmente.
Em resposta a esta provocação, temos milhares de julgados. Em todos, as Justiças e Tribunais do Brasil admitiram a possibilidade de desaposentação. O STJ, por decisão proferida em Plenário, admitiu a possibilidade de desaposentação.
No STF, não podemos deixar de observar, que os relatores dos processos de desaposentação O Ministro Marco Aurélio e o Ministro Roberto Barroso, que estudaram a fundo o processo entenderam ser possível a desaposentação, assim como a Ministra Rosa Weber, que ficou mais de um ano estudando o processo e, ao proferir seu julgamento, entendeu pela possibilidade de desaposentação.
Quem assistiu ao julgamento (e quem não assistiu tem possibilidade de assistir pelo YouTube) percebe claramente que os Ministros que entenderam pela inconstitucionalidade da desaposentação não fundamentaram os seus votos em teses jurídicas, mas sim numa questão política , no “ rombo da previdência” , que, segundo Gilmar Mendes, seria de R$ 1 bilhão por mês.
Aqui, temos mais um ponto que merece esclarecimento (mesmo que breve) porque, segundo estudos, não existe déficit na Previdência Social.
Rapidamente, somente a título de ilustração, a professora Denise Gentil, em entrevista ao Jornal da UFRJ, sobre sua tese de doutorado, declara quanto aos números que chegaram da sua pesquisa: “Em 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões. Uma parte destes recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade Social para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União). Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade Social que é desviado para outros gastos”.
O governo trouxe números alegando o impacto financeiro da desaposentação aos cofres da Previdência Social, que poderia chegar a R$ 181,9 bilhões nos próximos 30 anos. Contudo, segundo levantamento feito pelo Instituto de Direito Previdenciário, o impacto seria bem menor, ou quase nada, pois chegaria a 1,5% das contas da Previdência.
Para completar o argumento de que há superávit na Previdência Social, um estudo realizado pela ANFIP (Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, www.anfip.org.br) mostra que a Previdência Social vem desde 2012 em uma seqüência de superávits, chegando em 2015 com superávit de R$ 24 bilhões.
O caminho possível, para regularizar esta situação, agora é o Congresso Brasileiro legislar sobre o retorno do pecúlio ou regulamentar a desaposentação.
E nós, os trabalhadores, por intermédio dos sindicatos, associações, federações e confederação temos o dever que obrigar o Governo a apresentar as contas da Previdência Social.