O livro de haicais do bancário do BB, Marcos Messerschmidt, 30 anos, já pode ser incluído na lista daqueles que fizeram sucesso na temporada de lançamentos. A obra “29”, editora Modelo de Nuvem, teve lançamento na Casa dos Bancários, quarta-feira, 12/11.
Confira abaixo, resenha literária do jornalista Luiz Gonzaga Lopes, publicada no site do jornal Correio do Povo:
Na batida do haicai
Marcos Messerschmidt lança seu livro de estreia “29″ nesta quarta-feira, dia 12, às 18h30min, na Casa dos Bancários
Foram umas cinco ou seis vezes que pude conversar um pouco mais com o bancário e escritor Marcos Messerschmidt, de 30 anos. Todas as vezes os papos foram culturais e sobre literatura, a primeira vez foi com dois interlocutores que tem um belo nível de erudição, o médico e editor Marco de Menezes, da Modelo de Nuvem, e o presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS, Milton Simas. Nesta semana, pude dialogar com Marcos com a minha leitura do seu surpreendente livro de estreia “29″ (Modelo de Nuvem), que tem lançamento com sessão de autógrafos nesta quarta, dia 12, às 18h30min, na Casa dos Bancários (General Câmara, 424).
O diálogo não foi tão demorado, pois os 70 haicais e as duas poesias, podem ser lidos em menos de uma hora, o que não diminui em nada este dificílimo gênero que teve sua formatação e popularização no final do século 17 no Japão, com o seu principal expoente, Matsuo Bashô do célebre haicai em 5,7 e 5 on ou hiragranas, a sílaba da metrificação japonesa:
“fu-ru-i-ke ya (5)
ka-wa-zu to-bi-ko-mu (7)
mi-zu no o-to (5)”
“velha lagoa . . .
um sapo salta nela
o som da água”
Não por acaso, Marcos confessa que dos mais de 100 haicais do material bruto (concebidos durante três meses na primavera de 2013) o primeiro foi sobre um animal, o anfíbio sapo virou a réptil lagartixa e a fotografia em três curtas frases saiu do ambiente natural e adentrou o habitat urbano:
“cama, leão –
a lagartixa preguiçosa
sonha no canto do quarto”
“O primeiro que escrevi foi o da lagartixa. Não sei explicar muito bem, mas a imagem me veio pronta na cabeça. Eu estava, tipo, esperando o ônibus. A partir desse, tudo virava haicai. Fiquei meio obcecado com essa fotografia de três versos. Fotografava o que via e fotografava o que eu pensava, a ponto de eu, a certa altura, determinar uma deadline. se eu não tivesse determinado esse prazo final, não sei se o livro existiria na forma como existe agora”, detalha Marcos como foi a entrada do haicai no seu processo de criação literária, pois ele também escreve contos, entre outros gêneros (na segunda, dia 10, participou do lançamento do livro “50 anos do Golpe de 1964 – 5o años del Golpe de 1964 ”, edição bilingue em português-espanhol, no qual escreveu três contos. A antologia do SindBancários é resultante de oficina literária do escritor Alcy Cheuiche).
Marcos segue explicando a ação do haicai na sua voz narrativa, no seu eu lírico: “Escrever os haicais acabava com toda a minha ansiedade. O prazer de realizar e acabar cada um deles me acalmava. Era uma pequena meditação que me ajudava a organizar o pensamento”. Acadêmico de Filosofia da PUCRS, Marcos passou estes três meses tomando notas dos haicais no mais diversos locais, paradas de ônibus, nas praças e parques, atravessando a rua, nos bares e foi mostrando também a interlocutores como o editor Marco de Menezes, Milton Simas e também ao escritor João Gilberto Noll, que teceu considerações positivas . A Noll dedica um dos poemas:
“paranoia e operosidade –
o deserto de sal
contempla seus grãos”
São muitos os haicais dedicados. A Marco de Menezes, Walt Whitman, Max Scheler, Felipe F. Cesárea Tinajero e também Jack Kerouac. “Os meus haicais tem a ver mais com Kerouac do que com Bashô ou Leminski. Foi da leitura de “O Livro dos Haicais”, do Kerouac que eles brotaram. A abordagem dele é mais livre e partir da leitura deste livro decidi que essa seria a linguagem”, afirma. Para Kerouac, ele dedica um haicai no
capítulo “trêmula cicuta”:
“horror da noite
inútil dia
trêmula cicuta”
Os capítulos, a divisão dos haicais em unidades temáticas ou sessões, são méritos do editor Marco de Menezes, a quem Marcos atribui a consistência do livro: “O trabalho da edição do Marco também foi muito bom, muito preciso. a seleção final, a ordenação dos poemas e a divisão das sessões foi trabalho dele. isso ajudou a tornar o trabalho mais consistente”. A divisão das sessões ficou assim: “flores do dilúvio”, “a caminho da barbearia”, “trêmula cicuta”, “há pouco”, “disseca-se” e “still beating”.
É do poema com mais fôlego que encerra o livro, da sessão “still beating” que também encerro este texto, não sem antes dizer do prazer de ler algo tão envolvente, tão preciso, uma maturidade já na estreia literária individual. Sei que 30 haicais foram guardados na edição e que nesta primavera possam estar florescendo outros 30 ou 40. Por isso, espero ansiosamente pelo livro “30″ ou “31″ e já digo, de antemão, que vou começar a praticar o gênero, por puro diletantismo e influência do Marcos. Fiquem com um trecho de “still beating” ou como eu chamaria na minha eterna sina de trocadilhista de “haicaitnik”:
“da capo
nesta cidade baixa
ensaio o voo torto
em direção ao que me importa.
saúdo Walt Whitman
na tabacaria,
encontro Ginsberg
deliciando-se com algas,
pessoas entre esquinas do poema.
trinta e quatro dias
numa clínica,
quarenta dias
nos bosques do Japão,
onze meses sem beber,
vinte e nove anos
enterrado em mim.
Ouso sair
nos últimos
três versos.
logo volto
a mim mesmo.
movo meu corpo
a todos os cantos:
meu espírito segue
à terra agarrado.”
Texto de Luiz Gonzaga Lopes