Ele chegou em Porto Alegre cerca de meia hora antes de sentar na mesa ante um auditório lotado da sede da Fetrafi-RS em 12 de dezembro passado, uma quarta-feira. Atendeu à reportagem do SindBancários que o acompanhou na van desde o aeroporto até o Centro Histórico (assista ao vídeo abaixo). Duas horas depois de iniciar a palestra “Brasil: Raízes Sócio-históricas e econômicas: Conjuntura Atual e Perspectivas Futuras”, o sociólogo Jessé Souza deixou a plateia perplexa com a veemência de sua retórica, o tom de indignação em sua voz e com a proposta de um mergulho na fria realidade da construção da história social no Brasil. Não somos o produto de uma colônia portuguesa indolente e preguiçosa, mas sim o resultado de gerações de humilhados, explorados e que se acostumaram a achar isso natural.
Vamos dizer que Jessé não deixou pedra sobre pedra. Propôs, durante a palestra, uma reflexão sobre a complexidade do Brasil. Água fria na nossa sonolência, uma proposta para abrir de vez os olhos daqueles que se resignaram com a crença de que tudo que se consegue na vida é por merecimento. Essa perspectiva, diz Jessé, tem raízes, literalmente, numa sociologia brasileira que ajudou no grande engano da nação. “Não é só do ponto de vista social embora haja uma amálgama entre raça e escravidão no Brasil. O sistema econômico não é só para explorar, mas é também para humilhar e inculcar desprezo e ódio ao outro. O senhor de escravos tinha que odiar o seu trabalhador. Tinha que ter a piada suja, retirando da indiferença o ódio e a iniciativa. O núcleo do Brasil é isto: a humilhação e o ódio”, constata Jessé.
Entendamos com a seguinte pergunta. Por que aceitamos isso assim mesmo? Ora, há toda uma elite que trabalha unificada “eles tomam uísque juntos e casam entre si”, ensina Jessé, e sabem mexer as variáveis para nos enganar. Uma delas: usar a corrupção com desculpa para tomar conta do Estado. A prova? Jessé faz uma comparação. Se a Lava-Jato alardeia o heroísmo de ter recuperado R$ 1 bilhão desde 2014, a elite esconde que ela, os grandes empresários e o sistema financeiro sonegam cerca de R$ 500 bilhões em impostos ao ano. Isso é dinheiro que deixa de financiar a saúde, a escola pública para enriquecer ainda mais a elite brasileira. Quer dizer, retira Estado do pobre e do trabalhador e entrega aos endinheirados. Daí, a conversa fiada do estado mínimo.
Da humilhação à manipulação
Se os bancários têm alguma dúvida sobre essa, digamos, prevalência da elite e seu sequestro do Estado, pense no banco Itaú. No ano passado, o governo Temer perdoou uma dívida do maior banco privado do país com a Receita Federal, de R$ 26 bilhões. Um ano depois, os donos do banco receberam uma remuneração de R$ 9 bilhões em dividendos. Esse dinheiro corresponde a 26 orçamentos anuais de uma universidade pública como a UFRGS. Outra prova? O próprio Jessé a fornece fazendo mais uma comparação esclarecida sobre nossa condição de enrolados. “A elite precisa humilhar o povo, se não, não vai conseguir manipular. Então, repetem, por meio da grande mídia, que o mercado é honesto. A elite precisa do Estado para poder assaltar o orçamento público que é pago pelos pobres”, explica.
Sindicatos e resistência
Jessé veio a Porto Alegre com ao apoio do SindBancários, da Fetarfi-RS e da Fenae. Passou voando pela Capital dos gaúchos e gaúchas. Foi tão rápido que, para podermos resumir suas ideias de sua brilhante palestra em um vídeo de quatro minutos, tivemos que embarcar com uma equipe de reportagem na van que o trouxe do aeroporto Salgado Filho até o local da palestra, o auditório da Fetrafi-RS. Após a palestra, o tempo de perguntas e repostas (e foram muitas e ótimas perguntas), Jessé autografou livros. Uma fila se formou desde a mesa até o fim do longo auditório da federação. O mais recente, “A Classe Média no Espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade” resume uma obra marcada por um preciso diagnóstico deste país desigual que é o Brasil. E, na manhã seguinte, bem cedo, voou para São Paulo para participar do lançamento nacional da nova obra.
E sobre os sindicatos? Jessé diz que são instituições fundamentais para a luta em defesa dos trabalhadores. E que, depois do golpe de 2016 na presidenta Dilma Rousseff, instalou-se no Brasil uma certa elite que quer acelerar o processo de transferência de renda do bolso do trabalhador para o seu próprio bolso. A reforma trabalhista e as promessas de acabar com o 13º que saem da boca dos integrantes do governo eleito, nesse sentido, são sintomas de que a exploração deve aumentar. “As ideias não ficam nos livros. Saem dos livros e se ligam aos interesses econômicos e penetram em cada músculo do nosso corpo e no nosso sangue. E é por isso que uma elite de meia dúzia consegue dominar 200 milhões. É pelas ideias. Os Sindicatos são importantes, de resistência, porque explicam porque o povo ficou mais pobre e como vencer a pobreza”, diz.
os livros e a palestra contam também a história de um intelectual vigoroso que não faz acordo com a esquerda quando o assunto é criticar seu erro capital na última eleição, a saber, deixar de dialogar com os pobres e explicar para eles que foram vítimas de uma enganação das maiores. Sim, Jessé não fala um sociologuês para entendidos. Ao contrário: seu texto é simples, direto, popular. Opera esclarecimento e é agradável até mesmo àqueles que acham chatas longas ponderações sobre teorias. Leiam Jessé. Ouçam-no e vejam-no. Vale cada palavra afiada em defesa de quem mais precisa. E nós o agradecemos!
Crédito fotos: Jackson Zanini
Fonte: Imprensa SindBancários