O ano recém-começou e perdemos a jornalista Gloria Maria para o câncer
“Se muita gente hoje tá aí conseguindo falar sobre o racismo, é porque a Titia Glória tá aqui. Eu não tenho a pele mais clara, eu sou preta mesmo. Sou enquadrada naquela categoria preta. A gente tem que aprender a usar a nossa alma, nossa inteligência, nossa cultura, para tentar acabar com o racismo da forma que a gente conseguir”. Glória Maria no programa Roda Viva
O Brasil perdeu muitas vidas durante a pandemia e ao longo de 2022. Foram muitos que se foram, entre eles, artistas, atletas, militantes das boas causas e guerreiros da luta antirracista. O ano de 2023, recém-começando, com novos ventos soprando em direção ao movimento pelo fim das desigualdades sociais, o Brasil perdeu para o câncer a jornalista Glória Maria, dia 2/02, no Rio de Janeiro.
Ao longo de sua jornada, virou um ícone do jornalismo da TV e, muito especialmente, do povo preto e pobre das discriminadas periferias brasileiras. Tudo isso no tapa, no enfrentamento direto no exercício de seu ofício e com o caráter direitista da empresa onde trabalhou até a morte.
Glória Maria foi pioneira no jornalismo, ousada na forma de fazer reportagens, obstinada por pautas participativas, libertária no modo de vida e, à sua maneira, uma luz na luta contra o racismo.
No final dos 1970, a jornalista com seu cabelo “black power” virou notícia quando denunciou que tinha sido impedida de entrar em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar. Sem pestanejar, Glória registrou a ocorrência e, assim, foi a primeira pessoa no Brasil a utilizar a Lei Afonso Arinos, primeira norma contra o racismo no país. A repórter também foi vítima do preconceito por parte do ex-presidente, o ditador João Figueiredo. Numa entrevista Glória contou que ele não gostava dela. “Tira aquela ‘neguinha’ da Globo daqui’. Eu passei todo o governo Figueiredo ouvindo coisas desse tipo”, relatou a jornalista.
Para muitos jornalistas e pessoas do meio da notícia, Glória Maria conseguiu ser praticamente uma unanimidade como pessoa e profissional. Mas poucos sabem que ela começou trabalhando de graça. “Primeiro ela aceitou o cargo de estagiária e não recebia nenhum centavo. De tarde estudava e, para se manter, de noite era telefonista. Nada foi fácil”, acentuou Pfhilipe Pelájji do la noticia. As coisas mudam, e Glória, em dezembro do ano passado, passou a receber um dos maiores salários da Globo em contrato até 2026.
A jornalista preta lutou e lutou mundo para superar tantos muros de dificuldades. Neste cenário, só é possível homenageá-la e desejar que sua história sirva de exemplo da luta antirracista no Brasil. Glória sempre afirmava e desejava que o exemplo de vida de sua avó escravizada servisse de inspiração para as novas gerações. Oxalá que os ancestrais do povo preto os ilumine com as luzes de todas as cores da liberdade.
Fonte: Texto de Moah Souza para o SindBancários