Atividade do Fórum Social Mundial (FSM) foi promovida pelo SindBancários e pela Fetrafi-RS nessa quinta-feira (26/01)
Dentro das atividades do Fórum Social Mundial (FSM), o SindBancários e a Fetrafi-RS promoveram, na noite dessa quinta-feira (26), o painel “Sistema Financeiro Nacional e o Papel dos Bancos Públicos”. Realizado no auditório do sindicato, o evento contou com a participação do economista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Márcio Pochmann, da economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Vivian Machado, e do deputado estadual eleito Miguel Rossetto (PT).
A apresentação da atividade ficou por conta do assessor do SindBancários, Péricles Gomide Filho e a mediação foi feita pelo diretor da Fetrafi-RS, Sandro Cheiran. Estiveram presentes o deputado federal Elvino Bohn Gass (PT), dirigentes sindicais, bancários e bancárias, entre outros. A atividade foi transmitida no Facebook e Youtube do SindBancários. Para assistir clique aqui.
Os convidados realizaram uma análise da conjuntura política e econômica do Brasil, comparando cenários passados com o presente e projetando as perspectivas do sistema financeiro diante das mudanças sociais no Brasil atual.
Poder político do sistema financeiro
A fala inicial de Rossetto destacou três temas que considera essenciais para o debate. O primeiro trata dos desafios do governo Lula, no sentido de reconstruir e transformar o país, buscando integração com outros países da América do Sul. “O poder político do sistema financeiro é muito grande. Apenas cinco grandes bancos gerenciam cerca de 80% do crédito nacional. É preciso repensar seu papel, a fim de garantir um projeto de desenvolvimento com inclusão social e distribuição de renda”, analisou o parlamentar na ocasião.
O deputado eleito ainda comentou sobre o endividamento das pequenas e médias empresas, citando o exemplo de uma cooperativa do setor de alimentos que precisou reduzir sua produção em função das altas taxas cobradas pelos bancos. “Anteriormente gastavam R$ 9 milhões com pagamento de juros de financiamentos, hoje, este valor é de R$ 56 milhões, o equivalente a um percentual entre 14% e 24% ao ano. Temos que enfrentar e mudar essa realidade”. Ele citou a redução da inflação como um dos desafios do novo governo.
O segundo ponto levantado por Rossetto foi a reorganização do sistema financeiro, que teve redução da categoria bancária nos últimos anos e aumento de profissionais do ramo em outro padrão de subordinação, mais precarizado. Ele lembrou da importância da regulação estatal das relações de trabalho: “É preciso pensar numa CLT do século XXI. Temos que regulamentar uma proteção pública e comum das relações de trabalho, garantir um padrão básico de proteção para todos”, avaliou.
O terceiro destaque é o caráter disfuncional do sistema financeiro brasileiro. Rossetto citou o cenário gaúcho, que tem como patrimônio três bancos públicos: Banrisul, BRDE e Badesul; e comentou sobre a luta política contra a privatização do Banrisul, que teve como protagonistas o SindBancários e a Fetrafi-RS, fazendo com que a manutenção do banco público fosse tema das promessas de campanha nas últimas eleições ao governo gaúcho, quando mesmo os candidatos de direita se comprometeram em não privatizar o banco.
“Poucos estados têm o privilégio de contar com essa estrutura preservada para financiar um outro padrão de desenvolvimento, por isso é preciso pensar no papel dos bancos públicos para o crescimento do nosso estado”, afirmou Rossetto. Para ele, a categoria bancária tem uma organização singular e pode contribuir para repensar as relações de trabalho e estar na vanguarda de um novo modelo de organização.
Redução da categoria bancária
Em seguida foi a vez da economista do Dieese trazer alguns importantes dados que ajudam a compreender as mudanças no sistema financeiro nos últimos anos. A apresentação feita pela economista no evento pode ser conferida neste link: Mapeamento do ramo financeiro e Retrato da Categoria Bancária.
Entre as informações de destaque está a redução da categoria dos bancários, que passou a ser menos da metade (47%) do ramo financeiro (dados de 2019). Nos anos 90 esse percentual era de 80%. Segundo Vivian, o setor começou a ser pulverizado a partir de 2013, com o marco regulatório que criou as bases para o surgimento das startups financeiras digitais, as fintechs, que passaram a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
A partir disso, o ramo financeiro cresceu, a categoria dos bancários encolheu enquanto outras categorias aumentaram. Hoje são mais de 1600 fintechs no Brasil, com menos de 10% regulamentadas. Apenas 30 são bancos digitais, a maioria são correspondentes bancários ou instituições de pagamento, e o total de trabalhadores dessas empresas já passa de 60 mil.
Sobre o teletrabalho, a economista comentou que acabou sendo implantado na pandemia com a necessidade de isolamento e se tornou uma pauta defendida por boa parte da categoria. Conforme pesquisa, mesmo com as dificuldades enfrentadas na modalidade, 80% dos bancários e bancárias são favoráveis ao trabalho remoto, total ou parcial. Para ela, os tempos mudaram, as pessoas estão buscando qualidade de vida, por isso não querem enfrentar horas de deslocamento, sendo que muitas estão se mudando para o litoral e interior, além de outras questões: “O assédio enfrentado pela categoria nos bancos também contribui para essa preferência pelo home office. E as pessoas buscaram se adaptar ao trabalho remoto, com ou sem ajuda das instituições”.
Vivian salientou que, na pandemia, as empresas fecharam escritórios, aumentaram o número de contratações e a produtividade, o que demonstra que é preciso regulamentar o trabalho remoto, a fim de melhorar as condições para os trabalhadores: “As pessoas perderam familiares na pandemia, agora não querem perder a vida em função do trabalho, gastar três horas no trânsito, lidar com estresse. As empresas vão perder profissionais se não oferecerem home office, pois eles vão procurar quem ofereça”.
A preferência por esse tipo de trabalho é um dos fatores que tem levado muitos bancários e bancárias a deixar o emprego formal nas instituições bancárias e optar pelo trabalho como personal bankers nas fintechs, já que não precisam de certificação se tiverem ao menos cinco anos de experiência no ramo. A economista alerta para o problema desse tipo de subordinação, que chamou de “uberização dos bancários”, já que precariza as relações de trabalho, pois as categorias não são representadas por sindicatos bancários e muitas vezes nem por outras entidades: “Os bancários são uma categoria forte, que possui uma convenção coletiva de trabalho, já outras não têm a mesma força. Por isso acabam trabalhando mais, enfrentam maior rotatividade e recebem remuneração inferior”.
Desafios para um novo ramo
A palestra de Pochmann fechou a noite com novas provocações. Um dos mais renomados economistas do país, ele promoveu uma reflexão sobre a necessidade e os desafios para construção de um outro ramo financeiro, por entender que o de hoje não está adequado à sociedade atual. Entre os obstáculos para isso, o professor citou o enfrentamento às instituições da ordem liberal/burguesa ao qual estamos submetidos: “Apesar da vitória eleitoral nas eleições presidenciais, é preciso buscar uma vitória política, lutar contra o que culminou no golpe da direita no governo Dilma”.
Para ele, o modelo de produção brasileiro deve ser mudado, já que o país é dependente da importação de bens digitais, algo essencial para a autonomia nacional atualmente. Como exemplo, citou o uso massivo de programas e aplicativos produzidos no exterior, como produtos do Google, sendo que há profissionais capacitados para produção de ferramentas próprias, mas não há investimento.
Pochmann destacou também a precarização do trabalho. “Nossa competitividade é centrada na superexploração de trabalhadores e dos recursos naturais. As reformas trabalhista e da previdência ajudaram nisso, reduzindo custos”. Conforme ele, anteriormente o custo do trabalhador no país era equivalente ao dos Estados Unidos e hoje se equipara ao da China: “A geração de empregos de qualidade depende das condições do Brasil de produzir e de se relacionar com o mundo”.
O professor comentou sobre a falta de perspectivas no contexto atual, ressaltando que, antes, haviam estudos para discutir o futuro do país, enquanto hoje o futuro está praticamente cancelado: “Se quisermos ser um país diferente do que somos precisamos ter uma ideia de onde queremos chegar. O Brasil virou um pronto-socorro, só trata de emergências”. Para ele, isso ocorre pela ideia de que o país vive o mesmo período histórico, com influência da globalização, mudanças climáticas e novas tecnologias, “como se o amanhã fosse ser pior do que o agora”.
Segundo o economista, há uma correlação de forças, uma luta social em defesa de uma visão e de um projeto de país. “A nova era é digital, a industrial ficou pra trás. Antes a socialização era presencial, agora é virtual. As relações sociais e laborais são diferentes, por isso é necessário se adaptar aos novos tempos”. A teoria de que a tecnologia reduz empregos é uma estratégia patronal, de acordo com Pochmann, já que há sim uma mudança mas não necessariamente cortes de empregos. Como exemplo, citou o ramo financeiro, que investe na área e não reduz vagas. “Vivemos uma mudança de época, é uma outra sociedade. Temos uma oportunidade histórica de construir o futuro com as nossas mãos”. Ele citou como exemplo eras passadas, como 1930 e 1980, que representaram grandes mudanças sociais.
O movimento sindical também precisa entender o contexto para buscar a identificação da classe trabalhadora, conforme o economista. Para ele, é preciso uma adaptação da estrutura das entidades para contemplar as necessidades das categorias. Pochmann destacou que o Brasil segue prisioneiro de programas de transferência de renda e é dominado por um sistema de “jagunço moderno”, formado por igrejas e o crime organizado.
“Quando o trabalho deixa de ser central, ganha importância a transferência de renda, assim como governos, igrejas e o crime organizado”. Ele explicou que a precarização do trabalho, em que uma pessoa é levada a fazer qualquer coisa para sobreviver, não gera identidade nem pertencimento. “O que dá identidade é a igreja, em que o pastor chama a pessoa pelo nome”. O economista aponta que é fundamental que o meio sindical entre nessa disputa por espaço e promoção do espírito de esperança e luta.
Outro problema a ser enfrentado no novo governo, segundo o professor, é o endividamento da população, já que hoje a cada dez famílias oito estão endividadas: “Se não resolvermos o problema do endividamento das famílias brasileiras, não haverá avanço econômico neste país”. Segundo ele, sem isso, mesmo com auxílio do governo, as famílias seguirão empobrecidas, já que vão receber e dar o dinheiro para os bancos. Nesse sentido, os bancos públicos têm um importante papel e não devem se guiar pela lógica privada: “Banco público só se justifica no capitalismo se vai operar diferente do banco privado. Para isso, deve estar nas periferias, não visar o lucro”.
Para discutir sobre um outro ramo financeiro, Pochmann considera essencial olhar para o contexto social, levando em conta as mudanças recentes, a fim de projetar uma reorganização da representação de trabalho e um crescimento econômico sustentável. O economista acredita que o maior problema do Brasil é o subdesenvolvimento e que a desigualdade é consequência dele. Para combater isso, defende a necessidade de uma reindustrialização, pois não vê a estrutura produtiva nacional como competente: “A desigualdade no país é profunda, ampla e dificilmente vai ser enfrentada se não olharmos para nossa dependência do exterior”.
Para Pochmann, não há mais a hegemonia de antes dos Estados Unidos, portanto é preciso reorganizar as políticas públicas e utilizar a capacidade que o Brasil tem na ciência e pesquisa para servir ao seu desenvolvimento. Pochmann opina que o estado é parte da solução, mas não dá conta dos desafios da nossa realidade, por ser disfuncional, contaminado pela tecnocracia. Nesse contexto, o movimento sindical tem papel importante para organizar os segmentos: “Se colocamos a renda como centro e não o trabalho, não politiza; o trabalho politiza, pois é uma relação com o patrão. Sem isso a política pública aparece como dádiva, não como luta. As pessoas devem se sentir participantes das conquistas, da luta sindical”.
Fotos: Araldo Neto / Fetrafi-RS