“Presidenta, a senhora não precisa de uma mancha como essa na sua carreira”, disse ao microfone Vagner Freitas, presidente da CUT, junto ao gradil que separava os manifestantes, reunidos na Praça dos Três Poderes, do Palácio do Planalto.
Com isso, resumiu a tônica da manifestação iniciada no início da noite da terça-feira, 16/6, em Brasília. Aproximadamente 1,5 mil pessoas marcharam da Catedral de Brasília até a frente da sede do governo federal para pedir que Dilma não vete a fórmula 85/95, mudança que vai diminuir o tempo de espera para a aposentadoria dos trabalhadores e vai elevar o valor dos benefícios previdenciários. Porém, caso a presidenta vete – tem até esta quarta-feira para decidir – as centrais prometem pressionar deputados e senadores para impingir uma derrota a Dilma, derrubando o veto.
Manifestação incomum, por pedir à Presidência da República que não vete um projeto saído do Congresso. Normalmente, é o contrário. Participaram do ato, que se estendeu para além das 21h, as principais sindicais reconhecidas do País.
“Nós viemos aqui para dizer para a Dilma que ela tem a oportunidade de marcar um gol de placa se sancionar a fórmula 85/95. E ela tem todas as condições políticas para fazer isso. O Congresso, que vota tanta coisa ruim, desta vez aprovou uma reivindicação da classe trabalhadora”, afirmou Vagner, minutos antes da chegada ao Palácio, sobre o caminhão de som que foi proibido pela polícia e pela segurança presidencial de seguir junto com os militantes que caminhavam.Vagner: Vagner:
“A Dilma foi eleita por essa gente oprimida que fez um grande esforço para derrotar a burguesia. Olhe para nós. Venha para os braços da classe trabalhadora”, completou o presidente da CUT, que também havia pedido aos manifestantes que não entrassem em choque com a polícia, o que desviaria o significado e o objetivo do ato.
Todos os dirigentes sindicais que se pronunciaram ao microfone repetiram a mesma promessa: se a Dilma vetar, as centrais vão trabalhar para derrubar a decisão. “Vai ser um tiro no pé histórico”, sentenciou Vagner.
“Tudo para que esse famigerado fator previdenciário não continue”, argumentou João Carlos Gonçalves, o Juruna, da Força Sindical. Carmem Foro, vice-presidenta da CUT, destacou a “unidade das centrais em torno de algo absolutamente estratégico para o Brasil”.
Adeilson Carvalho, da CTB, criticou a argumentação apresentada publicamente, um dia antes, pelo ministro da Previdência Carlos Gabas. “Ele falou em prejuízos futuros. Como isso é possível, se a Previdência é sustentada com o suor e o dinheiro dos trabalhadores. Recursos que são mal administrados, que deveriam ser usados só para essa finalidade, e não para outras, como acontece”.
Rosane Bertotti, secretária de Comunicação da CUT, disse às pessoas que esperavam condução ou caminhavam de volta do trabalho na Esplanada dos Ministérios, no início da marcha: “O movimento sindical tem ocupado as ruas no último período, para que os direitos trabalhistas sejam preservados. E agora estamos aqui em nome de quem dá o sangue e ao final quer curtir uma aposentadoria digna”.
Para Expedito Solaney, secretário de Políticas Sociais da CUT, se Dilma sancionar a fórmula 85/95, terá “reatado com a classe trabalhadora”. Para ele, é uma oportunidade de começar a virar a pauta política atual, que tende ao conservadorismo.
João Batista Inocentini, do Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical, a exemplo do que fez Vagner Freitas, usou de um tom emocional ao se dirigir à presidenta. “A senhora vai ter a noite inteira para refletir e mudar essa tendência ao veto demonstrada pelo seu governo”. Diante do Palácio do Planalto, os dirigentes recorreram a uma pequena caixa de som, a única que passou pela barreira policial, na tentativa de se fazer escutar pela própria Dilma.Manifestantes seguem ao Palácio sem o carro de som. Guina FerrazManifestantes seguem ao Palácio sem o carro de som. Guina Ferraz
Ouvindo ou não, bastava olhar pelas janelas do Palácio para ver as velas e tochas que boa parte dos manifestantes segurava e ler as faixas penduradas no gradil, e compreender do que se tratava.
Por que a fórmula 85/95 vai melhorar as aposentadorias
Proposta, elaborada em 2009 em conjunto pela CUT, centrais e governo Lula, é fruto de consenso e vai deixar o fator previdenciário para trás
As aposentadorias vão ser mais fáceis e mais valorizadas
A fórmula 85/95, aprovada pela maioria dos deputados e senadores, vai melhorar bastante a vida dos futuros aposentados, na opinião da CUT. Vai diminuir o tempo para se aposentar e ainda vai aumentar o valor das aposentadorias.
Ao contrário do que muitos estão imaginando, as pessoas não terão de ter 85 anos ou 95 anos de vida para se aposentar. Nada disso.
A fórmula é simples. Os trabalhadores e trabalhadoras vão poder somar a idade e o tempo de contribuição à Previdência para se aposentar sem desconto.
Fator previdenciário
Hoje em dia existe o fator previdenciário, criado pelo governo FHC (PSDB), em 1998, que estica o tempo de trabalho das pessoas e encolhe as aposentadorias. Com o fator previdenciário criado pelo FHC, mesmo quando o trabalhador e a trabalhadora já pagaram 30 anos ou 35 anos para o INSS, não podem se aposentar com o ganho integral, por causa da chamada “tábua de expectativa de vida”.
Ao longo das últimas décadas, a idade média da população vem subindo, em função das melhorias no atendimento médico, habitação e saneamento. Nossa expectativa de vida sobe todos os anos.
Por causa do fator previdenciário do FHC, toda vez que a expectativa de vida sobe, aumenta o tempo de trabalho necessário para se aposentar. É uma situação perversa que poderia ser ilustrada com a imagem de um pedestre que corre atrás de um carro veloz: vai tentar, mas nunca conseguirá alcançar.
Caso cansem de esperar, já que a tábua de expectativa de vida não para de subir, o trabalhador ou a trabalhadora se aposentam com o desconto criado pelo fator previdenciário.
Como surgiu a 85/95
A Fórmula 85/95 acaba com essa distorção. A 85/95 foi elaborada e negociada em conjunto, em 2009, pela CUT e as outras cinco maiores centrais, a Secretaria Geral da Presidência, o Ministério da Previdência e o então deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), no segundo mandato do governo Lula. O projeto seguiu então para o Congresso.
No ano seguinte, com nova composição, o Congresso deixou o projeto na gaveta, até que, em maio, a Câmara dos Deputados sacou a proposta, logo depois aprovada em plenário.
“O governo Fernando Henrique, com o fator previdenciário, retirou direitos dos trabalhadores. Já a proposta aprovada pela Câmara é resultado de um amplo debate. Sua adoção será um antídoto para a distorção existente hoje. Como regra de transição, vai respeitar o tempo de trabalho e de contribuição das pessoas”, avalia Vagner, presidente da CUT.
Mais vantagens
Outra mudança vai beneficiar aqueles que já tiverem tempo de contribuição, mas que ainda não atingem a soma 85 ou 95, por causa da idade.
A partir do momento em que atingirem o tempo de contribuição, além de a tábua de expectativa de vida ficar congelada, cada ano seguinte de trabalho vai valer por dois.Na primeira linha, veja como funciona para quem atingir o 85/95. Abaixo, como ficará mais fácil para quem já tem tempo de contribuiçãoNa primeira linha, veja como funciona para quem atingir o 85/95. Abaixo, como ficará mais fácil para quem já tem tempo de contribuição
Dois exemplos:
Um homem com 50 anos + 35 anos de contribuição = 85
Matematicamente, ele deveria trabalhar mais dez anos. Porém, como cada próximo ano de trabalho passará a valer dois, pois serão somados o ano de vida e o ano de contribuição, ele terá de trabalhar só a metade, ou seja, cinco anos, para se aposentar sem descontos.
Uma mulher com 45 anos +30 de contribuição = 75
Da mesma forma que o exemplo anterior, essa trabalhadora deveria puxar, em tese, mais 10 anos de trabalho, caso a fórmula 85/95 já estiver em vigor. Mas com as novas regras do 85/95, esse tempo cai para cinco anos. Se essa mesma mulher estivesse ainda sob as regras do atual fator previdenciário, teria de trabalhar mais 14 anos. A diferença positiva que a 85/95 trará é, como se vê, muito grande.
Comprovar tempo de contribuição ficará mais fácil
Para ter uma ideia de como atualmente o tempo de contribuição – o precioso tempo em que o trabalhador e a trabalhadora pagam a Previdência – é pouco valorizado pelo sistema, basta citar que apenas 26% das aposentadorias no Brasil são concedidas por esse critério. A grande maioria, 56%, são por idade, o que significa que as pessoas não conseguem comprovar a contribuição.
A Fórmula 85/95 cria novos mecanismos para mudar isso e dar mais oportunidades para as pessoas terem e comprovarem o tempo de contribuição. Confira as propostas neste sentido:
– a tábua de expectativa de vida não vai mais ser considerada para fins previdenciários para quem já tiver atingido 30 ou 35 anos de contribuição. A tábua será congelada, ou seja, a idade mínima de contribuição não vai aumentar todo o ano;
– o trabalhador que estiver desempregado e recebendo o seguro- desemprego vai poder contar esse período como tempo de contribuição para a Previdência. Dessa forma, vai diminuir lacunas ao longo da sua vida laboral;
– o aviso prévio também será considerado como tempo de contribuição;
– garantia de que todos os trabalhadores que estiverem a 12 meses de se aposentar tenham estabilidade no emprego, da mesma forma como já acontece em vários acordos e convenções coletivas de categorias como metalúrgicos, bancários, químicos, eletricitários, etc.
Como ficam as contas da Previdência
Os meios de comunicação tradicionais já estão alardeando que essa mudança, embora boa para os trabalhadores, vai piorar as contas do governo e prejudicar o Brasil.
“Não se pode esquecer, no entanto, que a valorização das aposentadorias vai injetar mais dinheiro na economia, o que faz girar o comércio e os serviços e gera mais empregos e salários. É isso que faz a arrecadação subir e manter o País forte. E que deixa o povo mais feliz”, diz Vagner.
Voltaremos a esse assunto na próxima semana. Mostraremos que essa mudança não provocará “rombo” na Previdência, como estão dizendo os analistas e jornalistas conservadores (saiba mais aqui).
E seu eu já tiver idade, mas não tiver 30 ou 35 anos de contribuição?
O povo brasileiro trabalha muito, e nem sempre está registrado em carteira. Se você já trabalhou bastante e não conseguiu pagar o INSS o número de vezes suficiente para atingir 30 ou 35 anos de contribuição, a vida não vai piorar com a fórmula 85/95.
Essa nova fórmula é pra quem ainda está trabalhando e tem tempo hábil para contribuir para o INSS.
Se você não tem o número suficiente de comprovantes de pagamentos para o INSS, mas já trabalha há muito tempo, o que vai acontecer é o seguinte. Você pode se aposentar pela regra da idade, que vai continuar existindo:
Mulher se aposenta aos 60 anos de idade, não importa o que aconteça. Para pessoas que trabalham na cidade, é preciso ter contribuído pelo menos 13 anos. Você vai se aposentar, independentemente da fórmula 85/95.
Homens aos 65 anos se aposentam também, mas precisam ter pelo menos 13 anos de pagamento ao INSS.
Por outro lado, se você fizer suas contas e chegar à conclusão de que as regras do atual fator previdenciário são melhores no seu caso, você poderá escolher essa outra opção.
A fórmula 85/95 não vai simplesmente acabar com as outras regras. O que ela vai mudar é que os próximos aposentados vão ter de trabalhar muito menos e vão ganhar mais. É uma regra de futuro.
Idade + tempo de contribuição = 85 (mulheres) e 95 (homens). Se a conta bater, o trabalhador ou trabalhadora terá aposentadoria integral (limitada ao teto do INSS).
Pelas regras, os homens têm de contribuir 35 anos para a Previdência. As mulheres, 30.
Dois exemplos básicos:
Homem com 60 anos + 35 anos de contribuição = 95 (aposentadoria sem desconto)
Mulher com 55 anos + 30 anos de contribuição = 85 (aposentadoria sem desconto)
A idade das pessoas pode variar caso a caso, já que muitos começam a trabalhar desde muito cedo, e tantos outros trabalham alguns períodos sem fazer contribuições à Previdência – seja porque ficam um tempo sem carteira assinada ou não pagam o Guia da Previdência Social (GPS), quando autônomos.
Fonte: CUT Nacional